1. A Cidade e a Política

A trajetória do Ocidente, tal como o entendemos hoje, uma vez assentada na Antiguidade, seja na pólis seja na civitas — ou na fusão de ambas estas formas inaugurais —, surgirá do imbricamento entre cidade, filosofia e política. Este suporte, que experimentará singular interferência religiosa-institucional na Idade Média – quando comunas abrigavam as populações -, formatará no século XVIII a influência de contornos decisivos para os tempos futuros, nomeadamente, a partir das heranças das famosas Revoluções Burguesas, que selaram o destino do Ocidente contemporâneo. No XIX – o Século das Ideologias –, serão criadas as bases para que, no seguinte, duas guerras chamadas mundiais determinassem, paradigmaticamente, a Democracia como a forma de governo exemplar. Assim, a partir, deste enquadramento, o território passou a ser estruturado e administrado, evidentemente, com base nas peculiaridades de formação de cada Estado-nação – particularmente, no que se refere à questão colonial, que, mais do que de certa forma, conforma o mundo atual.

BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Edusp, 2019. (Clássicos, 5).

2. A Região e sua (in)definição

A flexibilidade na delimitação de “regiões” torna seu estudo, já de início, desafiador. A perspectiva formal, oficial, de sua definição deveria visar o estabelecimento de uma base para a elaboração, particularmente, de um Plano Regional Estruturante, de modo a viabilizar economias de ordem diversa, por meio da imposição de uma racionalidade administrativa que, certamente, seria benéfica à administração dos orçamentos e na implementação de Políticas Públicas e Sociais, bem como, na própria qualidade de vida da população abrangida. No nosso caso particular, não podemos deixar de considerar quanto a esta Linha, pelo permanente papel que desempenha, um ponto já referido acima, qual seja, as especificidades do nosso Federalismo, que, via de regra, distorce, quando não inviabiliza, tal perspectiva.

GIL, Fernando (Coord.). Região. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1986. (Enciclopédia Einaudi, 8).

HALL, Peter. Cidades do amanhã – uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX. Tradução Pérola de Carvalho et alii. São Paulo: Perspectiva, 2016.

3. A dimensão urbana no Brasil

O acelerado processo de urbanização pelo qual o Brasil passou a partir de meados dos anos 1960 obrigou a que os três níveis institucionalizados de Poder reconfigurassem suas estruturas administrativas de modo a que, pelo menos, pudessem tentar enfrentar o consequente agravamento das carências que construímos, até mesmo com certo zelo. Ironicamente, será, em 69, no início do regime militar — que, não esqueçamos, havia criado, ainda em 64, o Banco Nacional da Habitação – BNH —, que uma Emenda Constitucional, que, de fato, constitui-se em uma nova Constituição, preverá a formação de Regiões Metropolitanas, entretanto, de forma pitoresca, pois este novo ente não tinha (e continua sem ter) força deliberativa, menos pelo poder de nossos Estados, mas, sobretudo, pela quase total possibilidade de o Poder Local/Municipal ter primazia quanto às determinações relativas ao “uso do solo”, a partir de um Plano Diretor, quase sempre genérico, obrigatório, a partir da Carta de 88, para cidades com mais de vinte mil habitantes.

A dimensão do urbano conta com a formação de coalizões de atores políticos e econômicos que procuram influenciar a direção das políticas urbanas e que influenciam diretamente a configuração e a expansão das cidades. Deste modo, o estudo sobre os regimes urbanos procura compreender a formação dessas coalizões, sejam pró-mercado ou pró-sociedade civil, em suas influências a curta curto prazo sobre as ações conjunturais dos governos locais e a longo prazo em sua capacidade de alterar a estrutura da configuração urbana das metrópoles. Essas ações são balizadas também por fatores econômicos, políticos e sociais em múltiplas escalas como: a municipal, a estadual, a regional, a nacional e a internacional. Entre os atores políticos capazes de forjá-las e, portanto, capazes de gerar cidades mais inclusivas ou mais segregadas, podemos citar: construtoras, capital financeiro, burocratas, prefeituras, partidos políticos, movimentos sociais, ações coletivas e lideranças religiosas. Deste modo, a análise da correlação de forças no espaço público – bem como nos “bastidores” da política – pode desvendar as características e nuances das políticas urbanas implementadas nos âmbitos local e regional, possibilitando uma leitura mais aguçada sobre os limites e potencialidades de seu alcance e de sua eficácia

DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 1999.

STONE, Clarence. Reflections on Regime Politics: From Governing Coalition to Urban Political Order. In: Urban AffairsReview 2015, Vol. 51(1) 101–137.

SUBIRATS, Joan. Explorando el espacio público como bien común. Debates conceptuales y de gobierno en la ciudad fragmentada. En: Ramírez, P. (coord.) La reinvención del espacio en ciudad fragmentada. México: UNAM, 2016.

4. A dimensão rural no Brasil

Se a administração do solo urbano sofre interferências diversas e difusas, no mundo rural convivemos com a presença primordial e, por isso, permanente, da propriedade latifundiária, determinante, tanto do impedimento de possibilidades produtivas de aproveitamento das terras, como das condições miseráveis que sempre conformaram a vida de nossos trabalhadores rurais. Como também mencionado anteriormente, jamais realizamos uma efetiva Reforma Agrária, o que se constitui, cada vez mais, em uma afronta colossal à administração pública de nosso território, proporcional, mesmo, a sua área. Esta situação se explica em grande parte pela, digamos, influência dos “donos da terra” no ambiente político, antes de forma indireta, por meio de prepostos, e, hoje, já de forma ativa, com a ocupação de postos fundamentais no Executivo e no Legislativo, particularmente, e com o apoio nem tão discreto assim do Judiciário.

CASTILHO, Alceu Luís. O partido da terra – como os políticos conquistam o território brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.

MORAES, Reginaldo C.; ÁRABE, Carlos Henrique Goulart; PAULA E SILVA, Maitá de. As cidades cercam os campos: estudos sobre projeto nacional e desenvolvimento agrário na era da economia globalizada. São Paulo: Unesp; Brasília: MDA/NEAD, 2008.

5. O Dilema da Internacionalização no Pós-2008

Estimulados pela aceleração dos fluxos internacionais que acompanharam a expansão neoliberal Pós-Guerra Fria, extensos laços comerciais e culturais globais, ocorrendo não somente na esfera federal mas também nas esferas estaduais e municipais, têm sido criados e desenvolvidos. Esta tendência de atuação a nível internacional por parte de governos não centrais, entendida como consequência direta do modelo de interdependência complexa que dominou o estudo das Relações Internacionais durante a primeira década do século XXI, entretanto, começou recentemente a sofrer forte oposição política, oriunda principalmente a partir de governos e governantes com tendências autoritárias que, estimulando o nacionalismo e repudiando fortemente as interações transnacionais, buscam se aproveitar da insatisfação de largas parcelas da sociedade alijadas da prosperidade econômica promovida pela grande especulação financeira global, visando, desta forma, promover projetos centralizadores de poder assentados em identidades regionais. Configura-se, desta maneira, uma clara e paradoxal oposição de interesses dentro do Estado: de um lado, a intensa dependência do comércio internacional definido a realidade prática de políticas públicas imprescindíveis ao bem estar da população (como, por exemplo, o combate à pandemia do covid-19) e, do outro, forças centrípetas que buscam o isolamento em 'bunkers' ideológicos e o conflito aberto com a comunidade global. De que maneira se resolverá este dilema no que se refere às políticas públicas regionais ?

CHRYSSOGELOS, Angelos. State transformation and populism: From the internationalized to the neo-sovereign state ? Politics, 2020, vol 40, Political Studies Association.

FARREL, Henry; NEWMAN, Abraham. Will the Coronavirus End Globalization as We Know It ? In: Foreign Affairs, 16 mar 2020.

FRASER, Nancy. Progressive neoliberalism versus reactionary populism: a Hobson's choice. In: GEISELBERGER, Heinrich. (Ed.) The Great Regression. Cambridge: Polity, 2017.

VAROUFAKIS, Yanis. Crash: 2008 and its legacy. In: VAROUFAKIS, Yanis et al. Modern Political Economics: Making Sense of the Post-2008 World. New York: Routledge, 2011.